segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

JOSÉ PINA, O HOMEM QUE SONHAVA BRILHAR COMO OS PIRILAMPOS


Quando José veio ao mundo, nascia, lá para os lados do rio Madeira, em Rondônia, um estranho Pirilampo, que tal qual José, se recusava a voar como os outros…

Indiscreto, seguia as mariposas, quando não os morcegos, provocando uma enorme desordem em toda a cadeia alimentar.

Diversas vezes escutei a “Mãe Natureza” brigando com ele, dizia que estava voando contra a corrente, gritava aos quatros cantos, que a próxima vez que o visse voando em mundos diferentes, iria apagar suas lanternas para todo sempre. Mas, tais ameaças não lhe faziam vozes, e quando menos se esperava, lá estava o Pirilampo atrás dos morcegos, dizia que queria lhes apresentar a luz, que não era agradável viver assim em completa escuridão.

Enquanto o Pirilampo aprontava lá, José, o Pirilampo Homem, aprontava cá. Porém para conhecermos sua história, teremos que dar um pulo no tempo.

O objetivo de se tornar um ator fez com que viajasse três dias e doze longas horas, até chegar em São Paulo… Ou seja, não eram apenas planos, e sim uma obstinação. Para isso mergulhou em um mundo desconhecido, atrás de uma aventura sem nome, com um único endereço, um único guia.

É interessante ressaltar que o tal Pirilampo Homem caminhou às cegas por ruas perigosas, labirintos da metrópole viva. Para sobreviver, chegou a comer jornal velho no intuito de enganar a fome. Fez-se palhaço contando anedotas sem graça, humilhou-se por causa de um simples banho em banheiros públicos. Porém, a “Paulicéia” não o ouvia e sem dó o maltratava, enquanto seus sonhos ficavam cada vez mais distantes.

Ah, se soubesse, o Pirilampo Homem não teria feito esta aventura… Vir para uma terra tão estranha, recheada de concreto e pessoas sem nome, que vagam para cima e para baixo, como fantasmas à deriva. Sempre com pressa, sempre correndo, buscando o inatingível, atrás do pote de ouro que eles não enxergam.

Vida Real

A partir deste momento, não vou mais chamá-lo de Pirilampo, por que na selva de pedra, ou a gente adota um nome ou se transforma em concreto.

E foi pensando desta forma que ele resolveu adotar o pseudônimo de infância, “José Pina”, talvez como forma de lembrar a família que tanto amava.

2011- Rondônia a São Paulo, três dias e doze horas de estrada
Sonhos, planos, alegrias e decepções…

José, como tantos outros que chegam à metrópole, também não tinha rosto, ao contrário teve sim desgosto.

unnamed-1A amiga que iria recepcioná-lo na rodoviária não apareceu… Perambulou por três dias no local, quando atordoado pelo desespero, resolveu buscar ajuda. O que não esperávamos é que um segurança do metrô apareceria nesta história como um anjo condutor, seu nome vale muito a pena ser mencionado: “Kemps”.

O bom samaritano lhe apontou direções, lhe ofereceu comida e o acolheu com muita generosidade e carinho, ainda na rodoviária. D. Cíntia, a senhora responsável pela limpeza dos banheiros, permitiu que tomasse um banho, que para ele serviu como reconforto para sua alma, pois estava a exatos 14 dias sem higiene corporal.

Bom, a partir daí começa sua verdadeira vida em São Paulo.

O destino conspirava, e o que veio depois foi uma sequência de brutalidades, em breve espaço de tempo.

Foi morar numa favela onde montou seu próprio barraco, que mais tarde seria derrubado pela prefeitura, sem levarem em conta que os moradores não tinham nada além daquele pesadelo arquitetônico, que chamavam de lar. Foram colocados na rua como dejetos. Dezenas de pessoas abandonadas a sua sorte, foram morar embaixo do viaduto. Ao lado delas sempre resoluto e otimista, José ia se virando como podia, morando em barracas nas calçadas, cortiços, pensões, dormindo no chão. Porém por onde passava fazia amigos e foi aos poucos montando uma segunda família. O que parecia se tornar um pesadelo, fez com que o seu sonho se aproximasse cada vez mais.

A vida dura lhe apresentou pessoas diferenciadas, e mal sabia ele que num futuro próximo, estes personagens seriam inspiração para suas performances no teatro, garantindo-lhe uma experiência riquíssima que poucas pessoas têm o privilegio de adquirir.

A rua lhe apresentou a realidade nua e crua, a educação pela pedra, que contribuiria para transformá-lo no senhor do seu destino; criou resistência, fortaleceu seu espírito, tornou-se mais solidário e viveu quatro longos anos intensamente.

Combativo, encontrou uma nova profissão: nos trens, vendeu água, chicletes, chocolates, amendoim, sempre fugindo dos guardas. Por mais de cinco vezes foi pego pelos policiais, neste momento, renegava a todos e quase se arrependia de ter vindo para esta terra estranha.

Quando pela última vez fora pego, desistiu, e como criança chorou no meio da plataforma, sozinho como nunca esteve.

No meio do caminho encontrou pipocas

Nosso herói tinha encontrado um novo modo de ganhar a vida. Carlos Ferreira, homem generoso, lhe ofereceu um dos seus bens mais preciosos: seu carrinho de pipocas. E foi assim que começou a vender as pipocas mais saborosas da zona norte de SP.

dAquele carrinho de pipoca passou a servir de referência no caos urbano da metrópole, mais que clientes, ganhou amigos.

E foi como pipoqueiro que a sua vida enfim começou a ganhar sentido. E a partir daí, conseguiu chegar mais perto do seu sonho.

Percebendo seu imenso talento para a arte dramática, a grande atriz e produtora Juliana Teixeira, financiou seu primeiro curso de teatro.

E tal qual nas novelas, sua história se tornou um labirinto de pessoas, que o acolheram. Como em um jogo de xadrez, as peças se moviam de acordo com o dinamismo da vida, e o exalar do perfume das flores da natureza.

Flores que preferimos citar, para que não se perdessem no tempo, porque sem elas, o jardim do nosso pipoqueiro, teria apenas espinhos.

Dentre as pessoas podemos destacar:
Juliana Teixeira produtora e publicitária;
Ruan Pereira, ator que despertou seu interesse pelos livros;
Josué Rocha, Guilherme Boulos, Juan Correia, Jacira Cardoso, Suzamara Camargo, que apontaram os caminhos para o movimento MTST (Movimento dos trabalhadores sem teto) e consequentemente a conquista do seu lar;
Eliete Cigaarini, atriz e fundadora da Companhia de Pesquisa teatral;
ShakeCena e Anette Naiman, atriz e proprietária do Teatro Garagem, que abriram as portas do teatro.
André Bravo Valente, diretor da Braapa
Eduardo Paiva, diretor da Braapa

Quando o final é só o começo

Não, a história não termina aqui, José Pina pode representar milhares de brasileiros, que obstinadamente lutam por um lugar ao sol, e que devido aos seus sonhos, não desistem, caminham cegos e surdos, incapazes de escutar os pessimistas de plantão.

Hoje dia 29/12/2016, José Pina finalmente foi contemplado com seu novo lar.

Os moradores despejados da favela “Estaiadinha” foram contemplados com uma moradia no centro da maior metrópole do Brasil e José foi um deles.

O Pirilampo Homem de tanto nadar contra a corrente deu de cara com a sorte.

Sim, ainda falta contar muitas coisas sobre esta história. A caminhada de “José, o Homem que sonhava em brilhar como os Pirilampos”, ainda será longa.

Nada é definitivo, as coisas na natureza estão sempre mudando.

E no teatro como na vida real, podemos encontrar muitos Morcegos e Pirilampos.

A escolha é de cada um…