terça-feira, 7 de junho de 2011

Sarau Erótico em companhia do Exu do Raul

Sarau Erótico em companhia do Exu do Raul


Cheguei naquele ambiente, indecisa. ECLA - Espaço Cultural Latino Americano.

0 que significaria aquela sigla?


Uma amiga havia me dito que ali se escondiam alguns pensadores de esquerda que ainda carregavam no ventre, ideais socialistas, e sonhos de um mundo mais justo.

Seria mesmo que aquele Sarau Erótico, protagonizado pelo EXU, me faria economizar alguns anos de terapia? Não sei! O que não poderia era continuar vivendo aquela vidinha insalubre, que sem querer o destino vinha me empurrando.

Depois de muito relutar tomei a decisão.

27 de maio 20hs, sexta-feira

Antes de sair, despedi-me da boneca, certifiquei-me se a chave da porta estava em cima da penteadeira como de costume, observei se a cadela estava bem alimentada, depois da boneca, ela era a minha principal companheira.

Quando estava no portão, resolvi voltar... Fui ao meu quarto abri a bolsa, peguei a boneca, fui ao toalete pela última vez. Depois de corpo e alma saciados, me senti encorajada... Ainda o olhei, estava sentado na mesma posição, concentrado num filme americano.

Foi só quando abri a porta, que me olhou de soslaio. Percebi seu estranhamento, quando notou o tamanho da minha bolsa, não vez nenhum movimento, suas órbitas saltaram da esquerda para direita rapidamente, depois voltaram de novo para tela da televisão.

Na certa pensou que fosse ração para os cachorros de rua, que tinha o costume de alimentar todas as noites.

Foi na internet, que ouvi falar pela primeira vez do espaço, e também foi lá, que descobri a Banda Exu do Raul. Lembro que o nome me causou certa curiosidade, há algum tempo planejava conhecer o trabalho deles. Mas confesso que aquele nome, me causava certo receio- EXÚ DO RAUL? Como gosto muito do Raul, achei que deveria ser algum trabalho que não conhecia.

E mais, tinha esperança que naquele espaço, pudesse encontrar alguém para conversar mais profundamente, estava cansada daquele círculo vicioso de novela, futebol e programas de auditório.

Aquela com certeza seria uma ótima noite. Sarau Erótico e ainda naquele espaço! Iria unir o útil ao singelo.

Para isto planejei tudo... Tinha reservado vestimenta adequada para ocasião- vestido comprido vermelho, com um decote saboroso. Na bolsa, levava um sapato alto da mesma cor do vestido, e para trazer sorte, minha lingerie era também vermelha, a mesma que usei nas nossas primeiras núpcias.

Para os cabelos um lenço ameixa rendado... Ah, também pensei no perfume, desta vez tinha optado por um aroma masculino. Junto com este kit, estava a boneca. Não sei se era impressão minha? Mas os seus olhos estavam com um brilho diferente.

Havia separado algumas poesias picantes, outras um pouco agridoce, mas o que não sabia é se teria coragem de lê-las.

Do telefone público, liguei para casa, tinha inventado uma ótima desculpa. Diria que iria dormir na casa da D. Odete, uma senhora doente, que ajudava a cuidar. Mas o telefone tocou diversas vezes, até que por fim desisti... Que sentisse a minha falta! Que se corroesse na cama, sem saber em qual cama eu dormiria. Maldito, todos os dias tinha que dormir com aquele homem insensível ao meu lado.

Ah, se não fosse a boneca já estaria maluca.

Enquanto subia a Augusta calmamente, buscava coragem no olhar das pessoas, que passavam por mim. Era como se tivesse prestes a cometer o ato mais libidinoso da minha vida.

Fui seguindo com pensamentos desconexos saltitando no meu cérebro... Medo, tesão, gana,voracidade, ingenuidade, vida.

Em frente a uma boate, reparei em uma mulher, ou seria um homem? Este detalhe pouco importa. O fato é que ela me olhou de uma maneira tão apiedada. Com o mesma piedade que olho para os cachorros abandonados nas ruas.

Tive vontade de interceptá-la, e perguntar por que ela me olhava daquela maneira? Como se a vida que ela levasse, fosse melhor que a minha.

-Ah, insana, quem pensas que é?

Por acaso tem marido, casa, amigos? Porque, então me olha com tamanho desdém?

Continuei seguindo, bares, boates, clubes, saunas. Parecia que estava em um mundo perdido. Aquilo tudo estava começando a me seduzir, abri minha bolsa, apertei a minha boneca, estava totalmente excitada.

Entrei no banheiro de um bar, olhei-me no espelho e lembrei-me do olhar daquela mulher. Ela tinha razão, parecia uma gata desnutrida!

Despi-me ali mesmo, troquei rapidamente de lingerie, instilei o perfume, coloquei meu vestido, me maquiei. Transformada, olhei de novo no espelho, não me reconhecia!!

Acariciei-me com a boneca, senti uma deliciosa sensação, algo inteligível.

Agora sim, me sentia atraente desejada.

Quando sai do bar, escutei alguns comentários elogiosos. Enaltecida, segui o meu caminho.

Mas derrepente, lembrei do meu marido, naquela altura deveria estar preocupado. O que eu estava fazendo? Que loucura era aquela?

Senti-me envergonhada, suja, abjeta... Resolvi voltar para casa, precisava correr fugir daquelas sensações, aquele mundo não era o meu.

Era uma mulher casada, dona de casa e se alguém me reconhecesse, naqueles trajes?

Desatinada, corri para um ponto de táxi...

Sentada no banco, o filme da minha vida passou pela minha cabeça.

Tinha 30 anos, uma casa e um marido, nada mais. Absolutamente nada!

Minha vida, não tinha outros personagens, meu marido tinha razão. Eu era uma mosca morta!!!

De súbito, gritei

- Volta, volta, segue para o Sarau Erótico!!

O motorista olhou-me sem entender nada!

Foi neste estado de espírito que cheguei ao Sarau.

Desmedida, saturada, encabulada, excitada...

Pedi uma taça de vinho, duas, três...

A única coisa que consigo lembrar nitidamente, eram os olhares desencontrados enquanto lia minha poesia, apertando a minha boneca ao mesmo tempo.

Na verdade não lia, graceja, vociferava, gritava. Como se aquele grito, fosse à quebra das minhas algemas, como se estivesse saindo de um presídio.

Lá pelas tantas, dancei em transe acompanhada do Exu. Vida, descontentamento, acolhimento, caos.

Inúmeras pessoas andavam para lá e para cá, procuravam acalentos, era como uma vertigem.

Resolvi sentar, fiquei um bom tempo, alheia a tudo e a todos.

Foi quando ele chegou, olhou nos meus olhos e me admirou. Calada, sem fala, sem ventre, sem ameaça, sem pudor.

Beijei-o com toda a força do meu desejo contido, nossas línguas arredias, se desencontravam gulosas, terna, desesperada.

Beijamo-nos incansavelmente, até o amanhecer do dia.

Hoje ainda sinto o gosto da sua boca, seu toque desesperado.

O que veio depois...

Não posso torná-lo um personagem, fugiu das regras.

O que nos uniu foi o erotismo daquele sarau. Depois era tudo o que já conhecia.

Amiúde sigo procurando, mas sempre acompanhada da minha boneca.

Esta sim, consegue me entender!!!